Pequenas partes de uma menina que tenta ser mulher
Capitulo 1: O inicio
Sempre
fui diferente do que esperavam de mim, demorei um pouco a perceber isso porque
estava ocupada demais tentando realmente ser algo que não era. Isso costumava
me afetar muito no passado, era difícil entender, como criança, que meus
esforços não se concluíam em nada. O fato é que chegou ao ponto óbvio, o exato
momento em que já não conseguia mais me identificar. Era muito confuso entender
o contexto disso, ainda mais quando se mostrava normal sabermos exatamente o
que gostávamos e o que éramos. Logo nesse período começaram os questionários na
escola. Era um terror. Imagine você estudando tranquilamente, em um momento que
não precisa de absolutamente nada para tentar se misturar com a turma, até que
chega algum colega do seu lado. O que ele faz? Te entrega um caderno com 100
perguntas pessoais e te pede para responde-las. Logo na quinta série. Foi muito
difícil para uma menina que havia acabado de entrar na instituição. Mesmo
assim, ali eu respondia folha por folha. Qual era minha cor favorita? Minha
música? Meu livro? Qual menino da escola era o mais bonito? Quanto eu calçava
afinal? Preferia doce ou fruta? Praia ou montanha? E ai de mim se respondesse
errado, as crianças podem ser muito maldosas e descobri isso nessa época. Então
respondi o lógico, algo que criou um infinito ciclo de ações que me forçavam a
fazer coisas que realmente não queria. Consolava-me dizendo que era por um bem
maior, mas claramente não era. Eu não entendia que ao formar uma persona eu ia
apagando aquilo que realmente era, me moldando muito naquilo que era o molde e
desfazendo o que realmente era ser “Eu”. Não parei esse sistema naquele
momento, nem sabia o quão influente isso seria no futuro.
-
Pelo menos me encaixei em um grupo. Dizia.
Vocês
não fazem ideia da quantidade de grupos dos quais fiz parte. Inocente como era
ainda acreditava fielmente que todos eram meus amigos, que aquilo duraria para
sempre não importando o quê. Assim foi do primeiro ao segundo, deste ao
terceiro e por aí vai. Acredite, cada perda doeu na alma. Essas dores me
fizeram entender muito cedo que amizades não eram tão fáceis assim. Colocaram
na minha cabeça que confiança também não se dá a qualquer um. Minha insegurança
começou a crescer a cada pessoa que perdi. Não me julgue por fraca, hoje
entendo que não era culpa minha, que eles nem mesmo sabiam quem em realidade eu
era, mas vá colocar isso na cabeça de uma menina sentimental. Chorei muito por
isso, como chorei. O pensamento mais comum era de que se eu não era suficiente
para eles, não seria para mais ninguém, nem a mim mesma. Continuei tentando me enquadrar no padrão,
ser igual aos que admirava, fazer parte do circulo de pessoas, me tornar
essencial. Não deu certo como era previsto que aconteceria, a gente não
consegue fingir ser algo que não é por muito tempo. Quando “eu” dava as caras e
não curtia aquela música do cantor fulaninho era nítido, por que estava com
eles se não gostava das mesmas coisas? Anormal! Assim eu ia me afastando,
sempre esperando que alguém sentisse minha falta e me chamasse novamente porque era importante. Nunca aconteceu, mas não culpo as pessoas que fizeram parte
disso e procurei sempre entender que metade daquilo era culpa minha, mesmo sem
entender o que havia de errado. Que fique claro que isso era característica do
tal universo escolar, muito importante nessa fase da vida. Em casa as coisas
eram um pouco diferentes, meu irmão mais velho ainda morava comigo e com meus
pais, e eu amava a presença dele aqui. Ele sempre foi o tipo de irmão mais
velho que brincava comigo de uma forma ou outra, mesmo que brigássemos
seguidamente. Eu também era o poço de esforço para agradar todo mundo da
família, porque achava que era isso que eles queriam, ainda mais quando era
a filha mais nova. Se eu contar que minhas notas não baixavam dos 9.5 tu
acreditaria? Nesse ponto, até mesmo agora acho sensacional. A pressão, agora percebo, recaía no filho mais velho. Então, mesmo me lamentando muito na
escola, ainda fazia da nossa casa meu refúgio, ainda podia chorar para minha
mãe e ganhar um abraço de conforto. Ela
perguntava o que acontecia, o motivo da minha tristeza e o que ela podia fazer
sobre isso, mas o que eu entendia? Mesmo tentando ser muito boa, ainda era uma
pessoa como qualquer outra no quesito guardar rancor, então falava que
determinado amigo me deixou magoada e que não queria falar muito sobre o
assunto, porque consciente ou não, no momento não conseguia controlar o
impulso de sentir-me a vítima. Mesmo que eu já não fosse nesse momento algo que
eles queriam que fosse, ainda não era o foco em questão. Algo que mudou
progressivamente quando meu irmão foi morar longe, que evoluiu com o nascimento
da minha irmã mais nova. Com as novidades eu me tornei o foco e precisei,
repentinamente, tornar-me mais responsável, talvez mais madura do que realmente
era aos doze anos. Se me sinto meio imatura agora, imagine que não seria muito
mais seis anos atrás. Foi com esse pequeno trecho de vida que começaram as
brigas. Foi com essa situação quase engraçada que meu “lar” deixou de ser meu
refúgio. Porém, agradeço imensamente por ter conhecido pessoas neste mesmo
trecho de infância que entraram na minha vida e me ajudaram no processo de
conhecer-me novamente. Um projeto lento, que dura até os dias atuais e que está
longe de se concluir. Uma história longa que deixarei para outro momento.
- Karolayn Pedroso.
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