domingo, 9 de outubro de 2016

Pequenas partes de uma menina que tenta ser mulher

Capitulo 1: O inicio

Sempre fui diferente do que esperavam de mim, demorei um pouco a perceber isso porque estava ocupada demais tentando realmente ser algo que não era. Isso costumava me afetar muito no passado, era difícil entender, como criança, que meus esforços não se concluíam em nada. O fato é que chegou ao ponto óbvio, o exato momento em que já não conseguia mais me identificar. Era muito confuso entender o contexto disso, ainda mais quando se mostrava normal sabermos exatamente o que gostávamos e o que éramos. Logo nesse período começaram os questionários na escola. Era um terror. Imagine você estudando tranquilamente, em um momento que não precisa de absolutamente nada para tentar se misturar com a turma, até que chega algum colega do seu lado. O que ele faz? Te entrega um caderno com 100 perguntas pessoais e te pede para responde-las. Logo na quinta série. Foi muito difícil para uma menina que havia acabado de entrar na instituição. Mesmo assim, ali eu respondia folha por folha. Qual era minha cor favorita? Minha música? Meu livro? Qual menino da escola era o mais bonito? Quanto eu calçava afinal? Preferia doce ou fruta? Praia ou montanha? E ai de mim se respondesse errado, as crianças podem ser muito maldosas e descobri isso nessa época. Então respondi o lógico, algo que criou um infinito ciclo de ações que me forçavam a fazer coisas que realmente não queria. Consolava-me dizendo que era por um bem maior, mas claramente não era. Eu não entendia que ao formar uma persona eu ia apagando aquilo que realmente era, me moldando muito naquilo que era o molde e desfazendo o que realmente era ser “Eu”. Não parei esse sistema naquele momento, nem sabia o quão influente isso seria no futuro.
- Pelo menos me encaixei em um grupo. Dizia.

Vocês não fazem ideia da quantidade de grupos dos quais fiz parte. Inocente como era ainda acreditava fielmente que todos eram meus amigos, que aquilo duraria para sempre não importando o quê. Assim foi do primeiro ao segundo, deste ao terceiro e por aí vai. Acredite, cada perda doeu na alma. Essas dores me fizeram entender muito cedo que amizades não eram tão fáceis assim. Colocaram na minha cabeça que confiança também não se dá a qualquer um. Minha insegurança começou a crescer a cada pessoa que perdi. Não me julgue por fraca, hoje entendo que não era culpa minha, que eles nem mesmo sabiam quem em realidade eu era, mas vá colocar isso na cabeça de uma menina sentimental. Chorei muito por isso, como chorei. O pensamento mais comum era de que se eu não era suficiente para eles, não seria para mais ninguém, nem a mim mesma.  Continuei tentando me enquadrar no padrão, ser igual aos que admirava, fazer parte do circulo de pessoas, me tornar essencial. Não deu certo como era previsto que aconteceria, a gente não consegue fingir ser algo que não é por muito tempo. Quando “eu” dava as caras e não curtia aquela música do cantor fulaninho era nítido, por que estava com eles se não gostava das mesmas coisas? Anormal! Assim eu ia me afastando, sempre esperando que alguém sentisse minha falta e me chamasse novamente porque era importante. Nunca aconteceu, mas não culpo as pessoas que fizeram parte disso e procurei sempre entender que metade daquilo era culpa minha, mesmo sem entender o que havia de errado. Que fique claro que isso era característica do tal universo escolar, muito importante nessa fase da vida. Em casa as coisas eram um pouco diferentes, meu irmão mais velho ainda morava comigo e com meus pais, e eu amava a presença dele aqui. Ele sempre foi o tipo de irmão mais velho que brincava comigo de uma forma ou outra, mesmo que brigássemos seguidamente. Eu também era o poço de esforço para agradar todo mundo da família, porque achava que era isso que eles queriam, ainda mais quando era a filha mais nova. Se eu contar que minhas notas não baixavam dos 9.5 tu acreditaria? Nesse ponto, até mesmo agora acho sensacional. A pressão, agora percebo, recaía no filho mais velho. Então, mesmo me lamentando muito na escola, ainda fazia da nossa casa meu refúgio, ainda podia chorar para minha mãe e ganhar um abraço de conforto.  Ela perguntava o que acontecia, o motivo da minha tristeza e o que ela podia fazer sobre isso, mas o que eu entendia? Mesmo tentando ser muito boa, ainda era uma pessoa como qualquer outra no quesito guardar rancor, então falava que determinado amigo me deixou magoada e que não queria falar muito sobre o assunto, porque consciente ou não, no momento não conseguia controlar o impulso de sentir-me a vítima. Mesmo que eu já não fosse nesse momento algo que eles queriam que fosse, ainda não era o foco em questão. Algo que mudou progressivamente quando meu irmão foi morar longe, que evoluiu com o nascimento da minha irmã mais nova. Com as novidades eu me tornei o foco e precisei, repentinamente, tornar-me mais responsável, talvez mais madura do que realmente era aos doze anos. Se me sinto meio imatura agora, imagine que não seria muito mais seis anos atrás. Foi com esse pequeno trecho de vida que começaram as brigas. Foi com essa situação quase engraçada que meu “lar” deixou de ser meu refúgio. Porém, agradeço imensamente por ter conhecido pessoas neste mesmo trecho de infância que entraram na minha vida e me ajudaram no processo de conhecer-me novamente. Um projeto lento, que dura até os dias atuais e que está longe de se concluir. Uma história longa que deixarei para outro momento.
- Karolayn Pedroso.

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